Muito se fala sobre a revolução digital e a criação de novos mercados junto com empresas de Internet e informação. Mas o que talvez não se saiba é que isso advém de uma modelo de negócio (principalmente americano) de investir em idéias e conceitos inovadores nos seus estágios iniciais com a pretensão de colher lucros num futuro relativamente distante. Assim nasceram impérios digitais que definem as regras e comandam o mercado digital atual. Interessante notar que geralmente esse tipo de sucesso ocorre com muita frequência com startups norte americanas, sendo fatos isolados e esporádicos no Brasil.
Jobs e Woz 1976
Sendo assim, ficam as perguntas: o que o país precisa para replicar esse sucesso? e o que o governo pode ajudar nessa área?
Mas afinal, o que é uma Startup?
Com certeza quem já teve contato com internet e computadores reconhece facilmente alguns nomes, tais como: Microsoft, Google, Yahoo, Apple, etc., empresas consideradas como onipresença na área digital. Agora você sabia que:
- o volume negociado somente com as ações da microsoft é maior do que todo valor negociado na Bovespa? e que está avaliada hoje em 250 bilhões de dólares?
- a Apple tem mais de 34 mil funcionários diretos?
- a microsoft propos comprar o Yahoo! em 2008 por 50 bilhões de dólares? e o Yahoo não aceitou?
- o google tem apenas 10 anos de vida e gerou 23,6 bilhões de dólares em faturamento em 2009? e também possui 30,1 bilhões de dólares em caixa com 21 mil empregados?
- todas as empresas citadas tem a maioria de seus fundadores ou como presidentes ou no quadro de diretores? e que todas elas começaram como pequenas startups (de 2 ou 3 pessoas) ?
Startup é o conceito de pequenas empresas que são montadas em casa ou em faculdades e que recebem pequenos aportes de capital, e exploram áreas inovadoras de determinado setor (mais comumente a de tecnologia), possuindo uma aceleração de crescimento muito alta já nos primeiros meses de existência em virtude de investimentos feitos por fundos de investimento especializados. Frequentemente as startups não tem um fluxo de caixa favorável que viabilize sua existência, como foi o caso do Google, que só conseguiu o primeiro balanço de faturamento após gastar mais de US$ 100 milhões e 4 anos de trabalho!
Geralmente as startups passam por um período de incubação, onde os projetos são analisados e acompanhados nos seus primeiros dias de vida, e sendo adequados a uma realidade viável dentro mercado. Muitas das vezes, os fundadores possuem boas idéias de projetos mas não conseguem enxergar qual seria o caminho para alcançar a viabilidade financeira do negócio, sendo que esse problema pode se perpetuar durante anos. Sendo assim, para evitar a morte prematura de uma boa idéia, as incubadoras prestam serviço de consultoria com apoio material e logistico, facilitando os primeiros passos do nascimentos das empresas. Um dos casos mais clássicos é o da Sun Microsystems que em 1982 foi incubado pela faculdade que dá origem ao seu nome (Stanford University Network) e se tornou referência em servidores e linguagem de programação.
Também existem startups que começam literalmente na garagem de casa, onde apenas os fundadores visionários trabalham depois do serviço formal para dar vida a uma idéia (o que torna tudo mais complicado). Tal história nos Estados Unidos é praticamente um conto clássico americano, onde dois jovens trabalham finais de semana e no turno da noite querendo montar uma empresa que seja boa e lucrativa. Talvez o mais clássico de todos seja os estudantes de engenheiros elétricos Bill Hewlett e Dave Packard, formados em Stanford, que começaram a trabalhar no desenvolvimento de novos equipamentos elétricos em 1939 em uma garagem com apenas US$ 500,00 em caixa. Mais de 80 anos depois, todos devem ainda reconhecer a sigla HP em vários setores da economia, empregando hoje mais de 310 mil funcionários.
Bill Gates e Paul Allen
Diversas universidades americanas dispõem de programas de incentivo e abrigo para essas empresas iniciantes, sendo com certeza a mais famosa a Universidade de Stanford (principalmente na área de internet), onde a universidade cedeu ao Yahoo! seu primeiro acesso a internet; o primeiro servidor do Google; o primeiro laboratório da Sun; o primeiro cabo de rede da Cisco. A relação estreita entre essa universidade e investidores sempre foi uma das grandes vantagens para os fundadores, proporcionando aportes em empresas logo no nascedouro de empresas que podem se tornar companhias multibilionárias. Talvez sem o auxílio e o apoio logístico e assessoria da universidade, apresentando investidores a estudantes interessados nesses projetos, tais empresas nunca fossem realmente fundadas.
Infelizmente no Brasil já é bem mais difícil listar empresas que foram incubadas e orientadas dentro da faculdade, onde essa cultura é menos difundida e, comumente existe uma divisão (talvez até rixa) entre o meio acadêmico e o profissional. Programas de incentivos como “empresa junior” ou mesmo espaço físico com recursos básicos para montar uma micro empresa dentro da universidade são raros. Mesmo com todas as dificuldades, com a falta de um ambiente propício e sem incentivos, ainda existem exemplos no Brasil de empresas de internet que venceram os desafios e conseguiram ir atrás da viabilidade e sucesso por conta própria, como foi o caso do Buscapé, Power.com, Boo-Box, BrandsClub, MercadoLivre, etc. muitos desses nem muito conhecidos no Brasil. Todos essas startups que viraram empresas de fato começaram com recursos próprios, de forma precária até conseguirem visibilidade e aporte de capital estrangeiro nos seus investimentos.
Capital de Risco (Venture Capital)
No início da vida de uma startup, existe um personagem que desempenha um papel preponderante para a sobrevida inicial da empresa: a Venture Capital, ou fundo de capital de risco. Geralmente são fundos de investimentos específicos que visam investir em empresas no seu estágio inicial, quando ainda não tem viabilidade econômica nem mesmo previsão da sua fonte de faturamento.
Também existem os famosos investidores anjos, que são agentes que analisam propostas de negócio e dão o primeiro aporte de dinheiro para a startup, mesmo quando essa ainda nem tem um plano de negócio ou mesmo algo operacional. Conta a lenda que um investidor anjo (um dos co-fundadores da Sun) investiu 100 mil dolares no google antes mesmo de existir o buscador, somente na idéia apresentada pelos criadores Sergey Brin e Larry Page. Calcula-se que para cada dolar investido no google em seus dias de concepção, hoje renderam 20 mil dólares! Todo o dinheiro investido nesse pequeno aporte foi usado para compra de máquinas e financiamento dos criadores, e a contratação dos primeiros empregados da startup durante 6 meses.
Os fundos de VC (Venture Capital) geralmente são compostos por cotas de empresários bilionários de tecnologia, que decidem em quais empresas deverão ir determinado recurso. Para cada aporte feito por uma VC, é feito um estudo de viabilidade e retorno do investimento, bem como orientações e metas para as startups. Caso o plano seja aceito e o acordo fechado, será feito um acompanhamento para verificar se os investimentos estão sendo usados conforme o programado. Conforme as metas atingidas, e estabelecido confiança entre os gestores do fundo e os fundadores das startups, vão sendo disponibilizados mais investimentos para que possa acelerar o crescimento da empresa. Isso aconteceu com o Facebook, onde após um primeiro aporte de investimento de US$ 500 mil em 2004, foram outros mais, culminando no último aporte de 200 milhões de dolares em 2009.
Nos Estados Unidos existe inclusive fundos abertos ao público que tem como política somente investir em startup, permitindo pulverizar o investimento em pequenas empresas e abrir oportunidade para o cidadão mediano investir (e lucrar) nesse setor. Como o capital nessa área lá hoje é abundante, é corriqueiro investimento em startups mesmo sem existir um plano de negócio ou protótipo construido. Dependendo do projeto, apenas bastava apresentar a idéia e conseguir confiança dos analistas dos fundos.
Uma aposta certeira em uma startup é um rendimento tão bom, que facilmente ultrapassa a casa dos 10.000%. Isso se deve ao fato de que o investimento é feita na fase embrionária da empresa, onde as vezes essa ainda não foi formalmente criada. Infelizmente a taxa desse tipo de acerto é baixa. Fundos com um bom índice de acerto conseguem que 5% das empresas investidas tenham sucesso. Ou seja, esse é o tipo de investimento é muito arriscado, mas quando ocorre um sucesso, vem de forma a compensar todos os outros investimentos perdidos.
Ciclo de vida da Startup
Pode-se identificar fases na vida de uma startup de sucesso da seguinte forma:
- a concepção da idéia;
- construção prototipo do produto;
- lançamento;
- aporte de capital;
- crescimento e adequação no mercado;
- venda ou IPO.
Sendo que as fases 4 e 5 podem ocorrer repetidas vezes nesse ciclo.
Quando ouvimos que basta ter uma boa idéia para que uma startup possa ter sucesso, vemos que na realidade a coisa é bem diferente. Acredita-se que uma boa idéia, mas muito boa mesmo, vale uns… 10 dólares! Ou seja, ter uma boa idéia para startup é essencial, mas trabalhar duro e contar com assessoria e apoio técnico é muito mais importante. Outra coisa que é evidenciada no decorrer da construção da startup é a natural adequação da idéia a realidade, onde acontece o amadurecimento do plano de negócio e o posicionamento da empresa no mercado.
Depois de encontrado uma idéia que se alinhe com o perfil dos empreendedores e construído um protótipo para o lançamento do produto, é necessário saber como o negócio irá se sustentar, tendo em vista que um aporte de capital não é garantido. Geralmente é nessa hora em que é necessário elaborar novos modelos de negócio para não afetar seu crescimento e garantir o lucro da empresa. Por exemplo, no google foi muito discutido qual seria o modelo adotado para conseguir fonte de renda, de uma forma justa para o usuário e lucrativa para o cliente. Depois que o modelo de negócio é concebido de forma que não atrapalhe o crescimento da empresa, os lucros são realmente espantosos, sendo que a escala e o alcance da ferramenta é global.
Com o dinheiro entrando no caixa, as dívidas sendo pagas e a carteira de clientes crescendo, geralmente as startups ou são compradas ou é feito um IPO (Initial Public Offering – Oferta Pública Inicial de Ações). Um exemplo recente no Brasil de uma startup que foi comprada é o Buscapé, que foi adquirida pelo conglomerado Naspers por 342 milhões de dólares em 2009. Já o google preferiu fazer uma IPO em 2004, onde suas ações começaram valendo US$ 70,00 e hoje estão valendo US$ 477,50, tendo chegado a valer mais de US$ 600,00 (+850%).
Claro que nem tudo são flores. As empresas de startups tem uma das maiores taxas de mortalidade, se comparado com outros setores. Mesmo tendo uma boa idéia, um bom modelo de negócio e mercado disponível, as vezes falta estratégia para focar no ponto mais relevante da empresa e conseguir tração em um curto espaço de tempo.
Apesar da paixão e entusiasmo dos fundadores, que as vezes trabalham mais de 12 horas por dia, sem fim de semana e férias, é necessário uma visão realista com metas e objetivos listados com prazos estimados para conseguir chegar em algum lugar. Salvo raras exceções, as startups precisam de uma consultoria (geralmente oferecida por incubadoras ou fundos de investimento) que ajudem a guiar os empreendedores a centrar esforços nas melhores oportunidades de negócio, atentando para o tempo que será gasto na empreitada.
Incubadoras Públicas
Você sabia que o criador do acessório revolucionário Kinect do Xbox 360 da microsoft é um brasileiro de curitiba? Que o responsável pelo design do Twitter é um brasileiro? Que um dos fundadores do Facebook é também brasileiro? Que o Google tem uma fábrica de software em Belo Horizonte, que cuida exclusivamente do desenvolvimento do Orkut? Que o Google comprou uma empresa de tecnologia de busca do Brasil? Ou seja, é fácil perceber que o Brasil tem potencial e gente capacitada para revolucionar a tecnologia, só faltando a eles oportunidade. E os norte americanos já perceberam isso.
Agora, o que aconteceria com Bill Gates e Steve Jobs se eles precisassem trabalhar para pagar a faculdade? Ou com os criadores do Google e Yahoo se a universidade não desse abrigo e suporte para os seus primeiros servidores, muito menos orientação profissional? Talvez o mundo de tecnologia seria bem diferente hoje. Como no Brasil essas iniciativas são muito tímidas ou pouco efetivas, provavelmente seja necessário um programa no governo para conseguir dar impulso nesse setor.
Se analisarmos os gastos iniciais hoje de uma startup enxuta, verificamos que são mínimos: espaço físico (mesas, agua, café), computadores, servidores e acesso a internet. Também é preciso considerar que os fundadores da startup no Brasil precisaram de uma bolsa auxílio durante seu período inicial, e talvez uma orientação profissional e curso de Inglês. Os projetos poderão ser pinçados nas faculdades de tecnologia e passar por um processo de triagem através de uma consultoria especializada, com criação de cronograma, metas e prazos. Como os estudantes seriam os donos das próprias idéias e negócio, eles teriam disposição e motivação para se dedicar muito mais do que as 8 horas convencionais, bem como finais de semana e feriados. E o tempo de constatação de viabilidade de uma startup é relativamente curto (de 1 a 2 anos).
Dessa forma, pode-se ajudar o jovem universitário que está procurando criar novos negócios, retirando-o do mercado de trabalho formal, e ajudá-lo a apostar na sua idéia inovadora, provendo um ambiente propício para criação de novos mercados e novos negócios. Pode-se considerar também que isso irá incentivar o aumento das empresas nacionais desenvolvedoras de software e soluções de tecnologia, fortalecendo o mercado interno e criando mais oportunidades de emprego direto.
Jobs e Woz 1976
Outro apoio importante que pode ser desenvolvido pelo estado é a criação de mini cursos e palestras de empreendedorismo específicos para startups, possibilitando os jovens conhecerem o mercado e suas tendências, e quais os meios que o governo disponibiliza de ajuda a esses empreendedores. Concomitante a isso, pode-se também criar feiras e encontros de fundadores de empresas de tecnologia, com palestras, concursos e premiações de projetos. Esse tipo de apoio é importante principalmente para ajudar os gestores das Venture Capital’s no Brasil a encontrarem novas oportunidades de investimentos, ajudando os jovens empreendedores a dar sobrevida aos seus projetos.
Entretanto, apesar de existir alguns movimentos de incubadoras em universidades de startups de tecnologia no Brasil, verifica-se que muitas dessas faltam a visão comercial dos projetos, o que dificulta o amadurecimendo da startup e sua sustentabilidade. Outro ponto deficiente é que, geralmente, esse tipo de iniciativa existe apenas em faculdades públicas, onde geralmente não é encontrado os estudantes com menos poder aquisitivo. Em outras faculdades, principalmente particulares, existe um programa de incubadora fictício, servindo apenas como atrativo para influenciar a escolha da faculdade em que o estudante irá fazer o curso, mas na realidade não tem a função específica de ajudar a desenvolver uma empresa de verdade. Infelizmente no Brasil não existe casos de sucesso conhecidos de startups de tecnologia nascidas e instaladas em faculdades, que depois realmente viraram grandes empresas.
Sendo assim, o apoio estatal para a criação de novas empresas nesse setor é extremamente importante para repetir o mesmo sucesso que ocorre nos Estados Unidos. Dessa forma, pode-se conseguir movimentar o mercado de tecnologia no Brasil e proporcionar um arranque no setor, podendo depois evoluir por conta própria com fundo de capital de risco aberto ao público, ou algo do gênero.
Conclusão
Existe um mercado bilionário de tecnologia praticamente inexplorado no Brasil. Temos pessoas criativas, inteligentes e empreendedoras cheias de potencial. Entretanto, o país não oferece hoje um ambiente muito propício para virar um berçário de startups de sucesso. Assim como uma criança, uma startup precisa ser cuidada e orientada com especial atenção nos seus primeiros meses de vida, senão pode falhar desastrosamente. Com a ajuda do governo para dar um apoio inicial, oferecendo um investimento mínimo, podemos sair da inércia e ganhar velocidade, podendo nascer no Brasil talvez um novo Vale do Silício.
Referências